Abiezer Apolinário da Silva
A teologia bíblica mostra que pequenas atitudes éticas podem produzir efeitos surpreendentes
Ética é ethos , no grego, e significa costume, disposição, hábito. Segundo o Dicionário Aurélio, ética é “o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. Ou seja, a ética estuda a conduta e o proceder dos seres humanos.
Ética tem tudo que ver com a moral, uma vez que é a moral o diferencial do ser humano em relação aos demais seres irracionais. A moral é definida como o “conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada”. Por ela, podemos estabelecer a distinção entre uma conduta certa e a errada.
A contemporânea Igreja de Cristo na Terra, sem que opte pelo mundanismo da sociedade, sofre a influência e os ataques avassaladores dos costumes sociais, os quais levam a um afrouxamento de certos padrões de conduta morais extremamente valiosos.
Chegou a época em que mais do que nunca ocorre o que Deus falou pelo profeta Isaías, nos seguintes termos: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal! Que fazem da escuridade luz, e da luz, escuridade, e fazem do amargo doce, e do doce, amargo!”, Is 5.20. Ou seja, alguns séculos atrás, Deus já lamentava a quebra dos padrões morais da sociedade de então, o que levou algumas sociedades a adotarem procedimentos imorais como os de Sodoma e Gomorra.
Pior que isso é o que é dito acerca do povo de Deus, Israel, em Juízes 19, cujo capítulo termina dizendo que os escolhidos estavam procedendo tão desmoralizadamente que era dito na ocasião: “Cada um que via tal coisa dizia: Nunca tal se fez, nem se viu desde o dia em que os filhos de Israel subiram da terra do Egito, até o dia de hoje. Ponderai isto, considerai, e falai”, v.30.
Atualmente, como nunca antes, o que predomina é a doutrina do relativismo, pela qual “as verdades-morais, religiosas, políticas, científicas, etc. — variam conforme a época, o lugar, o grupo social e os indivíduos”. Ou seja, nada é absoluto, tudo é relativo. Evidentemente que essa doutrina confronta-se com a Palavra de Deus, a qual, como cremos, traz consigo as marcas da Eternidade e inalterabilidade ao longo do tempo. Assim sendo, e considerando que os obreiros formam um grupo cuja conduta e procedimento servem de referencial para o povo de Deus, é de suma importância que verifiquemos na Bíblia Sagrada alguns exemplos que nos trazem valiosos ensinos sobre o perfil ético a ser praticado pelos servos de Deus, os quais, ao serem observados, certamente resultarão em bênção para a igreja.
VISÃO SISTÊMICA DA ÉTICA BÍBLICA
a) O ser humano como ser moral. Relata a Bíblia que o homem foi criado diferente dos demais seres viventes, pois Deus o fez para obedecer certo padrão moral (Gn 1.26). O apóstolo Paulo fala disso ao asseverar que todo homem tem consigo uma lei natural escrita “na consciência”, pois foi criado “à imagem e semelhança de Deus” (Rm 2.14-15). Assim sendo, todo ser humano tem uma consciência, uma percepção moral e um conhecimento que julga entre o ato e seu valor ético (Rm 9.1; 13.5), o qual funciona como um tribunal. Portanto, o humano, como ser moral, distingue-se essencialmente do não humano, que é amoral.
Amoral significa aquilo que não é nem contrário nem conforme a moral; em que falta moral; que não tem o senso da moral; que é privado de qualificação moral; que se situa fora da categoria, por não se referir a fato suscetível de julgamento normativo do ponto de vista do bem e do mal. Veja Salmos 32.9 e 2 Pedro 2.12.
O julgamento é feito pela razão, que é a faculdade que tem o ser humano de avaliar, julgar, ponderar ideias universais, raciocinar e julgar. A razão é a faculdade que tem o indivíduo de estabelecer relações lógicas, de conhecer, de compreender, de raciocinar; raciocínio, inteligência. É a lei moral; o direito natural; a justiça, o direito.
O ser humano, ao reconhecer Deus como seu Criador, deve observar o padrão por Ele estabelecido (Rm 1.18-20).
b) Causas da fragilidade e banalização moral do mundo. A primeira é a má “imaginação dos pensamentos” do ser humano (Gn 6.5; 11.3-4), a qual é consequência do pecado. A segunda é o abandono deliberado de Deus e das suas verdades eternas e imutáveis (Jz 2.10-13), o que levou Israel, povo escolhido de Deus, a proceder como qualquer ímpio (Jz 19.30). A terceira causa é o bem estar e a abundância de bens materiais dados por Deus ao humano (Ez 16.49-50). A quarta é a ação maligna em cegar o entendimento espiritual (2Co 4.4). E a quinta causa é o juízo condenatório de Deus pelo abandono às suas verdades e padrão por Ele estabelecidos (Rm 1.21-32).
A CONDUTA ANTIÉTICA DE JOSÉ NA FAMÍLIA
No texto de Gênesis 37.1-11, há o registro de algumas situações que vitimaram José, um homem de Deus. Essas situações comprovam o grande prejuízo resultante pela não observação dos princípios éticos que devem nortear todos os serem humanos.
Infelizmente, a família de Jacó era um verdadeiro desastre, até porque o patriarca, conquanto fosse um homem de Deus, continuador das promessas de seu avô Abraão, como líder da sua família, tinha um procedimento altamente reprovável, visto que, como diz o versículo 3, “Israel amava a José mais do que a todos os seus outros filhos”.
A atitude de Jacó despertou nos irmãos de José um ódio mortal, de forma que não havia mais o diálogo normal entre familiares. Em meio aos tumultos familiares, Deus começa a revelar a José, por meio de sonhos, qual o projeto que tinha para ele. O que lhe cabia fazer com tais sonhos ante os tumultos familiares? Guardá-los consigo, esperando pacientemente o cumprimento deles. Entretanto, diz o texto sagrado que ele logo o contou a seus irmãos. Como resultado, “tanto mais o odiavam por causa de seus sonhos” (v.8).
Ora, se o relacionamento com seus irmãos estava desgastado e tumultuado, de maneira que já não lhe falavam mansamente, por que ele tinha que contar-lhes os sonhos?
Analisando a conduta de José, chegamos à conclusão óbvia de que ele conduziu-se de maneira antiética. Considerando ter ele profunda consciência da situação desagradável que marcava o convívio com seus irmãos, pelos princípios éticos e morais que governam a conduta dos seres humanos, manter-se calado acerca das revelações era o mais recomendável, até porque os resultados produzidos foram os piores.
A Bíblia Sagrada contém inúmeros princípios que estabelecem um padrão ético a ser observado pelo obreiro no relacionamento com a sua família. Disse o apóstolo Paulo que aquele que “não cuida dos seus, principalmente os da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel” (1Tm 5.8).
Por exemplo, há uma ética a ser observada no relacionamento conjugal, no convívio dos pais com os filhos, dos filhos com os pais, dos netos com os avós etc., conforme nos ensina 1 Coríntios 7, Efésios 5.22-33 e 6.1-4, e 1 Pedro 3.7.
A situação aqui estudada deixa uma verdade absoluta bastante clara: aquele que não se conduz eticamente atrai para si prejuízos consideráveis e danos que poderiam ser evitados.
A Bíblia expressa, em Provérbios 17.28, que “até o tolo, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios, por entendido”. No estudo do procedimento de José em contar os sonhos, observa-se claramente o desprezo ao sentimento alheio, uma vez que seus irmãos estavam magoados com a distinção que lhe era conferida por seu pai. Ou seja, observando os princípios éticos que devem nortear todos os humanos, há que ser praticada a regra de que somente se deve falar aquilo que produzirá edificação em quem ouve, e nunca falar por falar. E a situação de quem sabe algo de uma pessoa, e a revela em momento impróprio. O resultado, por certo, será o pior.
O EXEMPLO ÉTICO DA SUNAMITA
Em 2 Reis 4.1-15, destacaremos que a ética é capaz de produzir uma disciplina e uma limitação saudável no comportamento pessoal do obreiro, que resulta em bênçãos.
O profeta Eliseu estava hospedado em um quarto construído especialmente para ele, localizado no terreno da residência da sunamita. Ela, por sua livre iniciativa, autorizada pelo marido, o tinha construído. Diz o texto que o homem de Deus chegou, foi para o quarto e deitou-se. Então, veio ao seu coração um desejo de retribuir o favor, tendo designado seu servo para falar com ela, no sentido de interceder junto às autoridades algum benefício (v.13).
Tendo ela dito que nada tinha a solicitar, o profeta ficou sabendo que ela ainda não era mãe. Elizeu mandou chamá-la para fazer-lhe a promessa de que, após um ano, ela seria mãe. “E, chamando-a ele, ela se pôs à porta” ou “veio até a porta”. Aqui está o centro da nossa meditação.
Embora Eliseu fosse um “santo homem de Deus”, como ela própria disse ao marido, ele era homem e ela, uma mulher. Se ela tivesse entrado no quarto dele, que poderiam dizer os vizinhos se a vissem saindo? Guardando os princípios éticos, ela não entrou no quarto, porém se pôs à porta.
Ora, o apóstolo Paulo ensinando-nos sobre comportamento, disse: “Abstende-vos de toda espécie de mal”, 1Ts 5.22. O obreiro do Senhor tem a santa obrigação de se conduzir de forma que sua conduta não produza escândalo algum, e somente há uma forma de cumpri-la: observando a ética nos seus procedimentos.
Para que entendamos o alcance de tal ensino, convém meditarmos sobre o escândalo. O Dicionário Aurélio diz que escândalo significa: “Aquilo que perturba a sensibilidade pelo desprezo às convenções ou à moral vigente; indignação provocada por um mau exemplo, ou ação vergonhosa, leviana, indecente; grave acontecimento que abala a opinião pública; fato imoral, revoltante”.
Observemos que a sunamita estava em sua casa e o quarto em que Eliseu estava hospedado, também. Entretanto, sendo ele um homem e ela uma mulher, e casada, se ela tivesse entrado no quarto em que ele estava, certamente que, se alguém visse, teria espalhado que ela estaria pecando com o homem de Deus, o que traria sérios prejuízos a ela e a Eliseu, por causa do escândalo.
A CONDUTA ÉTICA DE NATÃ
É bastante interessante estudarmos também a conduta adotada pelo profeta Natã, quando Deus lhe enviou para comunicar a Davi o que iria fazer, como juízo, pelos pecados por ele cometidos. Não pairou qualquer dúvida de ser ele um enviado divino, pois o texto bíblico é bastante claro: “O Senhor enviou Natã a Davi”, 2Sm 12.1.
Observemos alguns detalhes: Davi era rei, logo, para alguém falar com ele, certamente tinha de marcar audiência, dentro da disponibilidade de data. Ao profeta, Deus revelou toda a conduta pecadora de Davi e os juízos que seriam enviados. Como enviado de Deus, o mensageiro não propagou a notícia, não feriu o protocolo e ainda teve a capacidade de comunicar a mensagem sem acusar Davi de pecador, pois, somente após ele se manifestar, é que o profeta lhe disse: “Tu és esse homem”, v.7.
Ora, é extremamente comovente pensar no esforço e no autodomínio do mensageiro em guardar consigo as informações divinas acerca dos pecados do rei, sem causar qualquer tipo de escândalo à nação, à família do rei e aos demais que viviam no país. Certamente estava em prática o princípio de que Deus não envergonha o pecador, porém o “repreende e castiga”, visando à sua restauração espiritual, resultado de seu amor.
O apóstolo Paulo, ao escrever aos crentes da Galácia, ensina-nos que há um princípio ético a ser observado na abordagem da queda espiritual de um servo de Deus nos seguintes termos: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi o tal com espírito de mansidão. Mas olha por ti mesmo, para que não sejas também tentado”, Gl 6.1.
Falta, pois, com a ética o obreiro que sai anunciando e espalhando notícias falsas ou verdadeiras de práticas pecaminosas cometidas por quem lhe confessou ou de que soube de relatos através de terceiros.
Os males causados e os danos sofridos por muitos que enfraqueceram na fé por conta da falta de ética de alguns obreiros somente Deus poderá avaliar e determinar. É certo, porém, que muitas pessoas estão condenadas às trevas eternas, porque foram vítimas de condutas antiéticas de obreiros, os quais, sem dúvida alguma, responderão diante de Deus pelos atos praticados, e por elas, já que, como disse o Senhor pelo profeta Ezequiel, “morrerá esse ímpio na sua iniquidade, mas o seu sangue eu o requererei da tua mão” (Ez 33.8).
A CONDUTA ÉTICA DO EVANGELISTA FELIPE
Agora meditaremos numa das mais lindas histórias do livro dos Atos dos Apóstolos e do Espírito Santo (8.26-31), no início da Igreja. Como conhecem todos os leitores da Bíblia, Felipe tinha chegado a Samaria por causa da intensa perseguição que se seguiu à morte de Estevão.
Sua presença naquela cidade foi marcante e seu ministério, maravilhoso. Está registrado que “havia grande alegria na cidade” (v.8). Dentro da autonomia de vontade inerente ao Espírito Santo, Felipe foi enviado para o deserto, para pregar o Evangelho a um cidadão da Etiópia, que estaria de passagem no caminho onde estava o servo de Deus. Obediente, este deixou para trás todo o avivamento operado em Samaria e foi para o deserto.
Absolutamente disponível ao Espírito, Felipe viu uma carruagem que se aproximava, a qual denunciava se tratar do transporte de um homem de alto destaque social, uma vez que um homem do povo da época não dispunha de meios para tal conforto.
Ao proceder eticamente, disse-lhe o Espírito: “Aproxime-se dessa carruagem e acompanhe-a”, v.29. Felipe, por sua vez, obediente, passou a correr ao lado do veículo até que o eunuco tomou a seguinte atitude: “Rogou a Felipe que subisse, e com ele se assentasse”, v.31. Ora, por que Filipe não subiu logo no carro do eunuco, uma vez que estava numa missão dada pelo Espírito? Simplesmente porque o veículo não pertencia ao Espírito Santo, mas ao eunuco.
É bem provável que se o homem de Deus tentasse subir logo no carro, talvez tivesse sido atingido e morto pelo segurança do eunuco e, assim, a obra de Deus teria sido prejudicada. Bastou Felipe observar uma regra ética para que o projeto divino fosse efetivado.
Certa ocasião, Jesus ensinou aos seus discípulos uma regra de conduta aparentemente de conhecimento elementar. Observando ele que certos convidados de um banquete buscavam logo os primeiros e mais importantes lugares, o Mestre lhes disse: “Quando por alguém fores convidado para um casamento, não te assentes no primeiro lugar, pois poderá haver um convidado mais digno do que tu”, Lc 14.8. Ou seja, não há qualquer justificativa para comportamentos aéticos e antiéticos de obreiros do Senhor, que, por se acharem acima de todas as normas, não respeitam princípios elementares da boa educação, da boa convivência e do respeito à ordem. Os tais contrariam até mesmo a Palavra do Senhor, da qual ele é um ministro.
Há aqueles que não respeitam os horários de refeição dos outros, não guardam a devida distância de quem lhe ouve. Literalmente lançam saliva no rosto de quem lhe escuta; toca na outra pessoa incessantemente; em velórios põem-se a gargalhar; tocam em órgãos genitais na frente de terceiros; limpam e assoam o nariz, palitam dentes, etc.
Quando o ministrante não se conduz segundo os parâmetros éticos, o que dizer dos ministrados? Como uma congregação terá um comportamento ético, se seu dirigente não é ético? Como as ovelhas serão respeitadoras, se seu dirigente não o é? Como poderá um obreiro ensinar a submissão, se ele é um insubmisso?
São perguntas inquietantes, porém necessárias, e que devem ser respondidas à luz dos princípios éticos, morais, legais e espirituais que nos foram ensinados por nossos pais, pela sociedade, pela lei e pela santa e imutável Palavra de Deus. Que Deus nos ajude e guarde no nome santo de Jesus.